5 de novembro de 2012

...

A criança que fui chora na estrada. 
Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou.

Ah, como hei-de encontrá-lo? Quem errou
A vinda tem a regressão errada.
Já não sei de onde vim nem onde estou.
De o não saber, minha alma está parada.

Se ao menos atingir neste lugar
Um alto monte, de onde possa enfim
O que esqueci, olhando-o, relembrar,

Na ausência, ao menos, saberei de mim,
E, ao ver-me tal qual fui ao longe, achar
Em mim um pouco de quando era assim.

Fernando Pessoa
...porque hoje sinto assim...

5 de outubro de 2012

Do Pulo do Lobo

(Foto minha: Setembro de 2012)
Irmã das areias que o tempo guardou na terra onde dorme o calor
Destino de moura que o sol coroou e dizem que foi por amor
Se o pulo do lobo te leva pró sul desertos de cobre a ferver
Mértola ai que tens tanto p´ra dizer

Sebastião Antunes (Quadrilha), "Mértola"


Reza a lenda que este é o lugar onde morreu o lobo-homem que pulava o Guadiana à procura do Amor...

Penso: Existem sítios onde a Natureza ainda se pode beber... e inspirar.
Não mais esquecerei os "desertos de cobre a ferver" onde o Guadiana estreita ao tamanho de um pulo e onde é incrível a facilidade com que o som da queda de água fica cá dentro marcado!

Estrela d'Alva

4 de setembro de 2012

Das asas

Ah, quanta vez, na hora suave
Em que me esqueço,
Vejo passar um voo de ave
E me entristeço!

Porque é ligeiro, leve, certo
No ar de amavio?
Porque vai sob o céu aberto
Sem um desvio?

Porque ter asas simboliza
A liberdade
Que a vida nega e a alma precisa?
Sei que me invade

Um horror de me ter que cobre
Como uma cheia
Meu coração, e entorna sobre
Minha alma alheia

Um desejo, não de ser ave,
Mas de poder
Ter não sei quê do voo suave
Dentro em meu ser.

Fernando Pessoa
5-8-1921

14 de agosto de 2012

Do erro

Edifiquei minha casa sobre a areia 
Todo dia recomeço

Eunice Arruda
...entendes agora?

9 de agosto de 2012

Da infância

Era a minha altura. Um livro em cima da cabeça marcava o lugar que um lápis semestralmente riscava na parede da cozinha. A única sabedoria dos ossos, crescerem como a teia sólida de um propósito e a anatomia mais transparente. Centímetro a centímetro espigava o corpo imaginário, essa contabilidade que era assim, íntima, pictórica, como uma cena burguesa. Traço a traço a parede da cozinha tornou-se rupestre, a infância uma ternura assustadora. Esta era a minha altura.
Agora sou tão mais alto e mais pequeno.

Pedro Mexia

6 de agosto de 2012

2ª Condição: Luta

Luta pelos Sonhos,
Luta contra as adversidades,
Luta pelo Mundo!

Luta para ser herói...
Luta pela "Mátria" (que é de onde nascem e crescem as tuas raízes)...

Luta com tudo o que tens confiando em "Deus, [que] escreve por linhas tortas".
Luta, Acredita: Sê livre!


Estrela d'Alva
...tentando alcançar um toque de felicidade...

2 de agosto de 2012

1ª Condição: Sonha

Sonha com o (im)provável.
Sonha com o (im)possível.
Sonha com o (ir)realizável.

Sonha em ir mais além...
Sonha em derrubar preconceitos (demonstrar que o mundo é redondo e não quadrado).

Sonha... pois o mundo vê os seus filhos a "estalar de fome" de sonhos...
Sonha, Acredita: Sê diferente!

Estrela d'Alva
...tentando alcançar um toque de felicidade...

31 de julho de 2012

Mãe

"Mãe e Filho" de Gustav Klimt

Mãe, eu sei que ainda guardas mil estrelas no colo.
Eu, tantas vezes, ainda acredito que mil estrelas são
todas as estrelas que existem.

José Luís Peixoto

30 de julho de 2012

Das palavras...




As palavras saem quase sem querer
Rezam por nós dois
Tome conta do que vai dizer
Elas estão dentro dos meus olhos
Da minha boca, dos meus ombros.
Se quiser ouvir
É fácil perceber

Não me acerte
Não me cerque
Me dê absolvição
Faça luz onde há involução
Escolha os versos para ser meu bem
E não ser meu mal
Reabilite o meu coração

Tentei
Rasguei sua alma e pus no fogo
Não assoprei
Não relutei
Os buracos que eu cavei
Não quis rever
Mas o amargo delas resvalou em mim
Não deu direito de viver em paz
Estou aqui pra te pedir perdão

Não me acerte
Não me cerque
Me dê absolvição
Faça luz onde há involução
Escolha os versos para ser meu bem
E não ser meu mal
Reabilite o meu coração

As palavras fogem
Se você deixar
O impacto é grande demais
Cidades inteiras nascem a partir daí
Violentam, enlouquecem, ou me fazem dormir
Adoecem, curam ou me dão limites
Vá com carinho no que vai dizer

Vanessa da Mata - "As palavras"
...em jeito de regresso...

27 de março de 2012

Porque


Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.

Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.

Sophia de Mello Breyner Andresen, "Porque"

Foto: "Serenidade" por Domonte Design

21 de março de 2012

Da primavera


Quando vier a primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na primavera passada.
A realidade não precisa de mim.

Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma.

Se soubesse que amanhã morria
E a primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.

Alberto Caeiro, "[Quando vier a primavera]"

15 de janeiro de 2012

Do mundo


Eu hoje estou cruel, frenético, exigente; 
Nem posso tolerar os livros mais bizarros.
Incrível! Já fumei três maços de cigarros
Consecutivamente.

Dói-me a cabeça. Abafo uns desesperos mudos:
Tanta depravação nos usos, nos costumes!
Amo, insensatamente, os ácidos, os gumes
E os ângulos agudos.

Sentei-me à secretária. Ali defronte mora
Uma infeliz, sem peito, os dois pulmões doentes;
Sofre de faltas de ar, morreram-lhe os parentes
E engoma para fora.

Pobre esqueleto branco entre as nevadas roupas!
Tão lívida! O doutor deixou-a. Mortifica.
Lidando sempre! E deve a conta na botica!
Mal ganha para sopas...

O obstáculo estimula, torna-nos perversos;
Agora sinto-me eu cheio de raivas frias,
Por causa dum jornal me rejeitar, há dias,
Um folhetim de versos.

Que mau humor! Rasguei uma epopeia morta 
No fundo da gaveta. O que produz o estudo?
Mais duma redacção, das que elogiam tudo, 
Me tem fechado a porta.

A crítica segundo o método de Taine
Ignoram-na. Juntei numa fogueira imensa
Muitíssimos papéis inéditos. A imprensa
Vale um desdém solene.

Com raras excepções merece-me o epigrama. 
Deu meia-noite; e em paz pela calçada abaixo,
Soluça um sol-e-dó. Chuvisca. O populacho
Diverte-se na lama.

Eu nunca dediquei poemas às fortunas,
Mas sim, por deferência, a amigos ou a artistas.
Independente! Só por isso os jornalistas
Me negam as colunas.

Receiam que o assinante ingénuo os abandone, 
Se forem publicar tais coisas, tais autores.
Arte? Não lhes convêm, visto que os seus leitores
Deliram por Zaccone.

Um prosador qualquer desfruta fama honrosa,
Obtém dinheiro, arranja a sua coterie;
E a mim, não há questão que mais me contrarie
Do que escrever em prosa.

A adulação repugna aos sentimentos finos;
Eu raramente falo aos nossos literatos,
E apuro-me em lançar originais e exactos, 
Os meus alexandrinos...

E a tísica? Fechada, e com o ferro aceso!
Ignora que a asfixia a combustão das brasas,
Não foge do estendal que lhe humedece as casas, 
E fina-se ao desprezo!

Mantém-se a chá e pão! Antes entrar na cova.
Esvai-se; e todavia, à tarde, fracamente,
Oiço-a cantarolar uma canção plangente
Duma opereta nova!

Perfeitamente. Vou findar sem azedume.
Quem sabe se depois, eu rico e noutros climas,
Conseguirei reler essas antigas rimas,
Impressas em volume?

Nas letras eu conheço um campo de manobras;
Emprega-se a reclame, a intriga, o anúncio, a blague, 
E esta poesia pede um editor que pague
Todas as minhas obras

E estou melhor; passou-me a cólera. E a vizinha?
A pobre engomadeira ir-se-á deitar sem ceia?
Vejo-lhe luz no quarto. Ainda trabalha. É feia... 
Que mundo! Coitadinha!

Cesário Verde, "Contrariedades" in O Livro de Cesário Verde

1 de janeiro de 2012

Feliz Ano Novo!


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Feliz Ano Novo!!

Como sei que a Troika (ainda) não corta no Amor, na Saúde e na Paz desejo a todos um feliz Ano Novo!

Muitos beijinhos,
Estrela d'Alva